Quando venho a Lyon, janto muitas vezes numa pizzaria que tem um ambiente muito agradável, pratos variados e bem confecionados. Tem também quatro ou cinco empregadas que não são nada de se deitar fora. Há uma, que é italiana, que se destaca, pelo menos para mim, e a ela se deve esta minha regularidade. Há um problema grande de comunicação entre nós porque o meu francês é muito fraco e ela não fala inglês, mas ainda assim lá nos vamos entendendo. Não me dá confiança nenhuma, embora não seja antipática. Apenas uma vez, depois de eu ter estado três semanas sem lá ir, quebrou este seu gelo acenando-me da cozinha com um grande sorriso.
Estou agora a escrever estas linhas por causa do que aconteceu ontem. Estive mais de um mês sem cá pôr os pés, tendo regressado apenas na semana passada e, como não podia deixar de ser, fui jantar a esta pizzaria. Contudo, a nossa italiana devia estar de folga, pois não a vi nas duas vezes que lá fui. Mas ontem estava lá e, quando cheguei, julgo ter-lhe causado uma surpresa agradável dado que se expressou com grande alegria o que a fez entornar quase toda a espuma do canecão de cerveja que transportava. E isto sob o olhar atento de uma sua colega... fingi não notar e dirigi-me para a mesa que me disponibilizaram.
A partir daqui fui sendo atendido por uma e outra colega, mas nunca por ela. Por vezes passava por mim, mas ignorando-me sempre. Sem dúvida que estava fula por se ter manifestado daquela maneira, podendo ter dado a entender ter sentimentos que preferiria manter reservados ou até mesmo que não tem. Ainda assim, quando chegou a hora da sobremesa foi ela quem me foi atender. Perguntei-lhe se estava tudo bem com ela ao que me respondeu que sim, mas agora já com o rosto iluminado. Depois te ter pago ao balcão ainda nos cruzámos outra vez tomando ela a iniciativa de se despedir com um sorridente ciao. Quando achava que não me ligava nenhuma vim a descobrir que talvez não fosse bem assim. Definitivamente não percebo as mulheres. Gosta aquela que parece não gostar e não gosta a outra, que achava que gostava...
Esta foi a melhor refeição que tomei por estas paragens e hoje irei lá novamente. O mais provável é que ela lá esteja. E também muito provável é que seja a última vez que lá vou, pois confirmou-se há pouco que os nossos serviços não são mais necessários. Está a custar-me saber que não vou voltar a vê-la. E vai custar-me ainda mais despedir-me dela como se fosse lá voltar amanhã sabendo que talvez isso nunca mais volte a acontecer.
Ontem tive de viajar novamente para França, em trabalho. Quando cheguei à fila para o controlo de segurança, seguiam à minha frente três jovens muito alegres. Pelas suas feições e modo de vestir, apesar de muito europeu, deduzi serem oriundas de um país do norte de África. Uma delas chamou-me especialmente a atenção, não só por causa da sua beleza, como pelo seu feitio despassarado, pois quando cheguei ela estava a voltar para trás, alertada por um senhor, para buscar o casaco que deixara cair. E pouco tempo depois fui eu quem teve de o apanhar para lho devolver, o que agradeceu simpaticamente em inglês. Era sem dúvida a mais vistosa e alegre das três. Estava vestida de uma forma que a tornava muito sexy. Era alta, com longos cabelos pretos e a pele muito branca. Tinha muitas parecenças com a Catarina e talvez tenha sido esta a causa principal do meu interesse. Mas era, sem dúvida, uma beleza de mulher! Foi uma etapa da viagem muito agradável, que saboreei o melhor que pude sem, contudo, perder a cabeça.
Quando deixei o Raio-X já as três moças tinham seguido a sua vida alegremente. No átrio central ainda as vi, mas não fiz grande caso disso e segui para a zona onde supostamente iria embarcar. Cerca de meia hora mais tarde vi uma delas passar mesmo à minha frente e lembro-me de ter pensado: "queres ver que também vão para Lyon?". Isto ainda antes de estar definida a porta de embarque. É claro que quando cheguei à dita porta, entretanto indicada, relanceei o olhar para ver se as via, o que não aconteceu. Mas nem foram precisos três minutos para as ver chegar galhofeiramente. Só faltava agora que a mais bonita fosse ao meu lado no avião, pensei eu. Afastei de imediato este pensamento, pois só o facto de o ter tido tornava ainda mais improvável esta coincidência, como sempre se sucede.
Ainda assim, já no avião, sentado junto à coxia, esperava ansiosamente por quem iria caber ao meu lado. Como já quase toda a gente tinha embarcado, sabia que elas não tardariam a chegar. Aproximou-se de mim uma senhora, mais velha do que eu, que me fez pensar: pronto é esta que me vai calhar, afinal. Mas não. Sentou-se junto à janela deixando entre nós um lugar vazio. Logo depois apareceram as três raparigas e a minha desejada parou ao meu lado. Parou ela e parou o meu coração quando, olhando para o bilhete, me pediu licença para se sentar ao meu lado. Não queria acreditar na sorte que estava a ter e questionei-me sobre o que o que estaria o destino a reservar-me. Não foi preciso esperar muito para perceber que ele estava era a gozar comigo. Mas a gozar descaradamente, pois nem um minuto depois ela pediu-me licença outra vez e saiu, para se ir sentar duas filas mais à frente, num lugar vazio junto à janela... E a viagem prosseguiu, comigo entre um banco vazio e um corredor, adquirindo a monotonia a que estava condenada antes desta brincadeira do destino, cuja intenção, sinceramente, acho que nunca vou compreender...
Quando me sentei e vi de quem ia ficar ao lado não fiquei logo entusiasmado, mas fiquei curioso. Deve andar pelos quarenta. Muito direitinha, já com o cinto de segurança apertado, olhando em frente, sem grandes movimentações. Apesar de já não ser obrigatório, estava de máscara. Fiquei curioso, é verdade. Fiquei também um pouco despeitado por não se mostrar minimamente interessada na minha pessoa. Já prestes a levantar voo para regressar ao meu querido país, ela começa a preparar-se para a viagem que iria durar apenas duas horas, tempo suficiente para se ficar enregelado caso não se tomassem as devidas precauções. Pelo seu ritual via-se que era uma habitué. Com casacos e camisolas improvisou duas mantas, uma para as pernas e outra para os ombros, até que o desassossego terminou. Da minha parte apenas deslizei até cima o fecho-éclair do casaco. Como eu estava do lado da coxia, a janela era um óptimo pretexto para poder tranquilamente observá-la, embora apenas de perfil. Nem sequer um pouco enviesada a consegui ver. Os seus olhos cor de mel, juntamente com as pestanas e as sobrancelhas, eram impressionantes. Davam vontade de me diluir neles.
Sempre na esperança de que se dignasse olhar para mim acabei por começar a adormecer. Neste estágio dei por mim a perguntar aos meus botões, ou melhor, ao meu fecho-éclair, que seria se lhe desse a mão. Um gesto que estava mesmo ali ao meu alcance. Mais fácil do que pedir um copo de água. Claro que não o fiz. Perante a indiferença às minhas mal disfarçadas investidas o certo era que a coisa não fosse correr bem. Não levaria um estalo, mas de um gesto brusco não me livraria pela certa. Contudo, ainda dei espaço à incerteza pensando como seria se acontecesse o oposto. Se partisse dela a iniciativa de me dar mão. Claro que não rejeitaria a sua mão, com aqueles dedos esguios e delicados, de unhas bem recortadas e desprovidas de pintura. Acho que começaria a pairar como se a aeronave perdesse de repente a sustentação...E continuei este diálogo comigo próprio, maldizendo a Mãe Natureza por não ter promovido maior igualdade de género nas respostas a este tipo de iniciativas.
Quando acordei ela estava com a mesma postura, mas agora entretida com o telemóvel. Fui deitando o rabo do olho para tentar confirmar, com base no que ela estava a ver, se era portuguesa ou não, mas não me dava grandes hipóteses, colocando a mão esquerda de maneira que eu não conseguisse ver nada. Excepto que estava despida de qualquer anel, informação tão ou mais útil do que a que pretendera saber. Do outro lado seguia outro passageiro que esteve quase todo o tempo a dormir, mas que deu para perceber que não lhe era nada. Pensei sacar do livro que ando a ler não só para me ocupar como também para mostrar um certo nível de erudição que presumi poder marcar pontos a meu favor, mas, pela falta de originalidade, já que muitos à nossa volta estavam a fazer o mesmo, e aproveitando a amálgama de pensamentos que me estava a ocorrer bem como uma coisa que acabara de fazer sem que a devesse ter feito, optei por começar a redigir este post.
Ou seja, neste momento em que estou a escrever ela está aqui ao meu lado, não fazendo a mínima ideia de que estou a escrever sobre si. Nem o vai saber mesmo que queira, pois a minha letra até eu tenho dificuldades em compreender. Pelo menos para já, uma vez que há pouco, quando se ausentou, enfiei nos seus pertences um bilhetinho onde escrevi: "oqueficanagaveta.blogs.sapo.pt - o passageiro do seu lado esquerdo". Isto significa que neste momento, e agora refiro-me ao momento em que o leitor está a percorrer estas linhas, ela pode já ter feito o mesmo. E pode também ter lido os meus posts anteriores e ter percebido que não sou de fiar, o que não abona nada a meu favor, mas, ainda assim, com o que decidi apesar de tudo publicar, há de ficar no mínimo um pouco lisonjeada. Como irá reagir é que é uma caixinha de surpresas. A profusão de possibilidades daria para escrever um romance, embora o mais provável seja que nada aconteça. Nem sequer noto curiosidade da parte dela em ver o que estou para aqui a escrever... Agora vou pôr o caderno de lado que já estamos quase a tocar na pista.
P.S. Assim que aterrámos ela tirou a máscara o que não me desiludiu de maneira nenhuma. Estava à espera de que nesta altura conseguisse obter alguma atenção da sua parte, mas qual quê. Saí à sua frente e entrei no autocarro na porta do meio na esperança de que me seguisse. Não é que se enfiou na porta de trás sentando-se numa cadeira virada para trás e não me dando qualquer hipótese. Afinal não queria mesmo nada comigo. Um desinteresse mais do que completo. Já no aeroporto desviou-se para o lavabo e eclipsou-se de vez. Nem enquanto esperava pela mala a vi passar. E agora o papelinho está com ela e já não há nada a fazer... ou será que também sonhei com isto?
Como é bonito o teu nome. Tal como a Lua, que torna menos escura a noite, assim foste tu para mim naquela viagem de avião.
Era noite de temporal. Estavas nervosa, mas confiante. Eu, mergulhado que estava em pensamentos tortuosos, pouco me importava com o que pudesse vir a acontecer.
Deliciei-me a ver como gerias a situação e como tentavas manter os passageiros descontraídos. Como disfarçavas o teu próprio medo. E a tua beleza fez-me esquecer todo o resto. Saboreei cada segundo da tua presença, tendo consciência de que jamais nos iríamos encontrar. E, mesmo sem me teres dirigido o olhar, vi nos teus olhos o esplendor que irradia a tua alma. Foi tão boa esta viagem, Luana.
Noutra paragem, o destino quis juntar-nos novamente e, desta vez, agraciou-me com a bênção do teu olhar. Naquele momento, olhando nos teus olhos e vendo o teu sorriso, apesar de estarmos em terra, senti-me a flutuar e não queria mais voltar a pousar.
Sei que não voltarei a estar contigo, mas sempre que olhar para a Lua, pensarei que poderás estar também a olhar para ela. Então, verei nela os teus olhos refletidos e sentirei que afinal estás ao meu lado.