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O que fica na gaveta

Miguel Lucas

O que fica na gaveta

Miguel Lucas

Se o mundo amanhã acabasse


Se soubesse que o mundo

amanhã ia acabar,
não perderia um segundo
para te ir procurar!


Não iria eu morrer,

meu amor, sem te achar.
Sem ao Céu poder volver,
antes da porta fechar.


Mas amanhã será um dia
como outro dia qualquer.
Trilharei a mesma via
sem tentar sair sequer.


Como o mundo irás seguir
na tua própria translação,
continuando eu a fingir
que me queres no coração.




Anda comigo

Vem comigo passear. Passo por aí a

buscar-te no meu cavalo castanho.

 

Sobes para a garupa e agarras-te bem

a mim para não caíres.

 

Vamos por montes e vales com os

teus cabelos ao vento.

 

Vamos até ao mar e, de mãos dadas,

olhar o oceano e imaginar que do

outro lado há um lugar que é só nosso.

 

Anda comigo. Talvez te faça rir e as tuas

gargalhadas me façam doer o coração

de tanto o encherem de felicidade.

 

Anda. Faço te uma maldade só para vires

a correr atrás de mim e eu poder demorar

um pouco até me deixar apanhar,

muito antes de ficares furiosa.

 

Deixa-me correr atrás de ti, com o teu

vestido leve a esvoaçar, rindo-te da

vingança que perpetraste.

 

Vem comigo. Depois, ofegantes, deitamo-

-nos no chão a olhar para o céu para

vermos passar as nuvens e esperar que a

noite chegue.

 

Fica comigo até se verem as estrelas, para

vermos os cometas a atravessar o céu e o

meu cavalo castanho connosco em cima.

 

Anda passear comigo. Entra comigo neste

sonho e vamos sonhar que estamos acordados.

 

A ver se te vejo

sempre que vou pela rua
ando a ver se te vejo
cuidando também ser tua
a vontade de um beijo

sentires amor por mim
é com o que vou sonhando
e é por achar que sim
que a ver se te vejo ando

mesmo quando acho que não
continuo a querer ver-te
não me sais do coração
não consigo esquecer-te

se me disseres vagamente
que não te inspiro desejo
então irei prontamente
deixar de ver se te vejo

mas se eu for do teu agrado
nesse caso nada digas
ver-te-ei sempre a meu lado
por onde quer que sigas

 

Não quero mais

Não quero mais fingir que nada estou a sentir

Não quero mais calar o que te devia ocultar

Queria estar contigo e não fazer ninguém sofrer

Queria não sofrer quando não te posso ver

Queria ficar preso sempre no teu lindo olhar

Queria te abraçar e a tua alma aconchegar

Queria que pudesses estender-me a tua mão

Queria que me amasses do fundo do coração

Queria ter a virtude de te saber esperar

Mesmo que a meu lado nunca venhas a ficar

 

 

As flores do jardim

 

Este mundo é um jardim

onde há muita flor bonita.

Gosto muito do jasmim,

da orquídea e da tulipa.

 

E nem sei lá muito bem

de qual delas gosto mais.

Mas não ferem ninguém

as preferências naturais.

 

No que respeita a gente,

não foi assim que se fez.

Decretou-se sabiamente

uma amar de cada vez.

 

Acontece que o amor,

é como a erva daninha:

irrompe com seu vigor

onde menos se adivinha.

 

E se brota outra flor

que encanta o meu ser,

o que me causa mais dor

é não a poder colher.

 

O teu rosto

Nunca vi o teu rosto,
nem tão-pouco quero vê-lo.
Do que o havia suposto
não vá ele ser mais belo.

Se não o vendo me é penoso
refrear minha paixão,
se se revelar formoso,
vai ser mortificação.

Pode ser que seja feio,
com a boca retorcida,
dentes tortos de permeio
e com lábios em ferida.

Se for desta natureza,
talvez possa ofuscar
tua restante beleza
e eu suporte te amar.

 

 

...

Será que um dia vou poder abraçar-te?

Será que alguma vez pegarei nas tuas mãos e as beijarei?

Sentirei algum dia, nas costas dos meus dedos, a suavidade da pele do teu rosto?

 

 

Na cozinha

 

Se te sentires sozinha

podes vir ter comigo.

Sentamo-nos na cozinha.

Faço dela teu abrigo.

 

Ponho água a aquecer

para fazer uma infusão.

Se quiseres podes dizer

o que te moi o coração.

 

Enquanto não ferver,

se quiseres, podes chorar.

Isso basta para entender.

Não precisas de falar.

 

Quando voltar do fogão

ponho na mesa a chaleira,

faço a preparação

e sento-me à tua beira.

 

E melhor do que contar

podes somente a cabeça

no meu ombro encostar

até que o mal desapareça.

 

Então, como a uma criança,

te aperto contra o meu peito

abandonando a lembrança

de que o chá já está feito.

 

 

A tua voz

Gosto de falar contigo.
De ouvir as notas alegres
que entoa a tua voz.
E quando isso acontece,
és como a flor que aparece
no ramo nu da amendoeira.
Ou como a cotovia,
que contente pousa nele,
encantando com o seu canto
e largando logo a seguir,
sem que o possa impedir.
Quando a tua voz se cala,
guardo no meu coração
a sua reverberação
até que voltes a surgir.

 

 

Amizade

Penso que tu pensas que eu penso de ti
aquilo que pensei que pensaste de mim.
Acontece que eu não penso nada disso.
E já percebi que também tu
não é isso que pensas.

O melhor é não pensarmos muito
porque, se o fizermos, corremos o risco
de pensar do outro coisas que,
se não pensássemos,
seria muito melhor.
Não achas?

Os teus cabelos

São fortes, mas suaves os teus cabelos.
Sedosos, soltos, da cor do ébano.
Cor do mel aqui e ali, onde o sol lhes deu um beijo.
São algas que dançam suavemente ou em grande turbilhão
e que tornam tão bela a parte de dentro do mar.
São as labaredas de um fogo onde podemos aquecer a nossa alma.
São a moldura de um quadro pintado por Deus,
talvez numa tarde de primavera junto ao mar.
São a parte do tesouro que transborda por não caber todo dentro de ti.
São as flores que me oferece uma amiga que tive a sorte de conhecer.

Inquietude

Sei que naquele lugar
ela vai aparecer.
Inquieto fico a aguardar,
procurando disfarçar
o quanto a quero ver.

Ela chega entretanto
e eu dou graças a Deus.
Mas percebo neste quanto
que a razão do seu encanto
está nos traços que são teus.

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Nota:

Os nomes aqui citados apenas são verdadeiros nas histórias que são fictícias.

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