Paixão absurda
Já tive muitas paixões. Comecei na primeira classe, apaixonando-me pela menina mais bonita da aula. Depois tive muitas mais, mas não tantas que não as consiga contar. Lembro-me de cada uma delas, e de quase todas guardo ainda muito carinho. Raras são as que fingiria não ver se com elas me cruzasse no caminho.
A paixão não se escolhe, embora num ou noutro caso a tenha querido forçar, na busca de um lucro fácil, mas sempre com resultados insatisfatórios. Também não se pode evitar. Quando acontece geralmente é terrível pois na maioria das vezes, e pelas razões mais diversas, ela não se pode concretizar. Há paixões absurdas, de tão impossíveis que são. Mas isso só prova que não são uma escolha. Já tive paixões de caixão à cova que, não sendo assim tão irracionais, não resultaram em nada. Mas tive uma que não podia ser mais impossível.
Há mulheres muito bonitas. A beleza é uma dádiva da natureza que muito beneficia quem a recebe. Algumas deixam-me atarantado na primeira vez que as vejo, mas passado algum tempo, que pode ser de segundos ou de dias, deixam de me impressionar. Tem de haver um je ne sais quoi para que a paixão aconteça. O certo é que nunca me apaixonei por uma mulher feia, o que é tremendamente injusto. Todavia, a mulher que despertou maior paixão em mim, nem foi a mais bonita. Foi aquela cujas imperfeições se tornaram preciosidades. Ao ponto de me confundir se gostei dela por causa das suas singularidades ou se foi o contrário. E as particularidades que à primeira vista poderiam ser motivo de repulsa, são muitas vezes as que me fazem sentir maior carinho pela sua detentora. São a sua marca registada, o seu cunho próprio, a sua assinatura. São aqueles traços que relembro quando penso nela e me fazem suspirar...
Houve uma vez uma mulher deste tipo, para mim perfeita, que mal a vi fez-me desligar de tudo o que não fosse exclusivamente ela. Fez-me querer saber tudo a seu respeito e fez-me querer voltar a vê-la. Sempre que a via sentia uma emoção difícil de explicar: uma contração do diafragma descontinuando a acção de respirar; uma descontração dos músculos faciais provocando um sorriso nos lábios e nos olhos, sendo o primeiro bastante aparvalhado; um deslumbramento suspenso; uma sensação de falta de espaço na caixa torácica para alojar o coração; uma vontade imensa de lhe dizer que a amo; uma vontade de trazer uma imagem sua sempre comigo, junto ao peito... Quando a tornava a ver estes sentimentos iam-se intensificando, independentemente do contexto onde a via ou de como se apresentava. Sempre que a via parecia conseguir ver a sua essência admirável e era esta que me deixava naquele estado. Mas o pormenor que deitava por terra toda e qualquer possibilidade de nos podermos vir a amar era o facto de só a ver e conhecer através das personagens que interpretava para o grande ecrã...