O meu primeiro amor
O meu primeiro amor foi sem dúvida o mais importante e marcante da minha vida. Sentia um amor infinito. Por aquela que era a mais bonita mulher do mundo. A mais doce, a mais meiga e a mais serena de todas as mulheres. Junto dela sentia-me a mais feliz das criaturas. Sentia-me protegido, amado e confortado. Tinha uma verdadeira adoração por ela.
Quando andava na escola tinha três retratos seus na minha escrivaninha. Fotografias tipo passe, ainda a preto e branco, que emoldurei artesanalmente. Uma de quando tinha seis anos, outra da sua primeira comunhão e outra já quase adulta, em plenos anos sessenta. Ao ver estas fotografias conseguia sentir a sua presença mesmo quando estava ausente. A minha mãe era o tesouro mais precioso que tinha. Quantas e quantas horas passei sentado a seu lado, ao serão, naquele exíguo maple, enquanto víamos televisão. Todas as minhas dificuldades, angustias e medos eram compensados com este amor que dava e recebia da minha mãe.
Diz-se que não há amor como o primeiro e é verdade. Para a maioria de nós, homens ou mulheres, as nossas mães foram o nosso primeiro amor. Ensinaram-nos a amar e a ser amados. E ensinaram-nos como é difícil viver sem amor.
Hoje não sei o que sinto pela minha mãe. Já há muito tempo que o meu amor por ela se dissipou. Que se transformou num grande novelo de ressentimentos. Esta mudança deu-se quando ainda era adolescente. Quando percebi que não fazia os seus olhos brilharem como fazia o meu irmão. Que não a inquietava como inquietava o meu irmão. Que não a fazia sorrir como ele a fazia sorrir. O que senti nessa altura foi que tinha sido enganado durante anos. Que aquele amor que julgava receber não era verdadeiro. Percebi que não tinha grande valor para a minha mãe e isso foi como uma punhalada no meu coração, cuja ferida ainda não sarou.
Muitos anos se passaram, entretanto. Os sinais que me fizeram tirar aquelas conclusões perduraram e ainda hoje os detecto. Mas continuo a observá-los, ocasião após ocasião, talvez na esperança de concluir que estava equivocado.
No ano passado, no meu aniversário, a minha mãe ofereceu-me uma esferográfica. E o certo é que a utilizo muitas vezes. E guardo-a com os cuidados com que guardava as suas fotografias. E quando a estou a utilizar volto a sentir o que sentia quando era criança e por momentos esqueço a minha zanga.