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O que fica na gaveta

Miguel Lucas

O que fica na gaveta

Miguel Lucas

Luana

No dia em que ia regressar a Portugal, estava na espectativa de reencontrar a Luana, a hospedeira que tinha vindo no voo doméstico que me tinha levado de Belo Horizonte a Governador Valadares na semana anterior. Nessa viagem fiquei no primeiro lugar a contar da cabine, junto à saída de emergência, do lado da coxia. As hospedeiras eram muito bonitas, muito mais bonitas e simpáticas que as da TAP, e a que ia à frente era-o especialmente. Teve de me explicar o procedimento para abrir as portas de emergência em caso de necessidade e eu a oportunidade de de me.deleotar com a sua voz e com os seus gestos. Quando tinha de se sentar, fazia-o do outro lado da coxia, ficando praticamente de frente para mim. Ou seja, tive a feliz sorte de a poder ir observando discretamente durante a maior parte da viagem. Era realmente bonita. Estava noite de temporal. Notava-se que ela estava tensa, mas fazia tudo para se mostrar segura e confiante, o que acentuava ainda mais a sua beleza. Ao mesmo tempo dava vontade de a tranquilizar.  Ela nunca olhou para mim directamente, mas sei que percebia que eu a ia observando, parecendo sentir-se embaraçada. Por isso fui diminuindo os tempos das minhas contemplações. Num instante a viagem acabou, não só porque tinha apenas uma duração de 40 minutos, mas fundamentalmente porque estava a ser deliciosa. Perante a sua beleza e graça eu estava meio atrapalhado e até um pouco aborrecido comigo mesmo por mais uma vez estar a tentar seduzir outra mulher. Quando peguei na mala para sair do avião, talvez por timidez, talvez por sentir que ela tinha percebido tudo, e também para não alimentar mais aquele fogo, decidi não olhar para trás não me tendo despedido dela nem agradecido nada. Fiquei um pouco chateado por não o ter feito, mas achei que tinha sido melhor assim.

No dia do regresso a Portugal, quando entrei no avião que me ia levar a Belo Horizonte, estavam lá duas beldades, mas nenhuma era a Luana. Que pena. Gostava de a ter visto uma vez mais. Aterrámos no aeroporto da Pampulha, que é um aeroporto mais pequeno, mais próximo de BH, para os voos domésticos, e acabei por sair do aeroporto sem nunca a ter visto. E assim tinha morrido a minha última esperança. Depois fui para o aeroporto de Confins, este internacional, a 30 km do primeiro, para apanhar o avião para Portugal. Estando eu a deslocar-me no interior do aeroporto cruzei-me com duas hospedeiras que seguiam em sentido contrário e, para meu espanto, constatei que uma delas era a Luana. A fracção de segundo em que os nossos olhares se cruzaram foi suficiente para entender algumas coisas: Percebi que ela já estava a olhar para mim antes de a ter visto. Percebi que me tinha reconhecido. E ainda me sobrou tempo para confirmar como realmente era bonita, mais bonita ainda do que a tinha achado na semana anterior. Ainda parei e me voltei para trás, mas apenas para a ver desaparecer, resoluta, no meio de toda aquela gente apressada. Não se voltou para trás, mas, o olhar que me entregou neste dia, que me tinha negado no outro, fez-me levantar voo ainda antes de entrar no avião. E quando aterrei, já em Portugal, ainda pairava sobre aquele Belo Horizonte.

 

Fevereiro de 2014

 

 

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Os nomes aqui citados apenas são verdadeiros nas histórias que são fictícias.

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