A Sereia
Conhecia-a há muito tempo. Tinha eu 20 anos. Ela devia ter 17. Foi num evento que reunia gente de todo o país. Encantei-me com ela quando a vi no palco desempenhando o papel de sereia. Nem me lembro qual o enredo da peça. Só me lembro que fiquei fascinado por ela. Não lhe tirava os olhos de cima. Era de noite e eu estava um pouco na penumbra. Lembro-me de que ela olhou para mim, mas não soube se me tinha realmente visto.
Era loira, não muito alta, muito bonita. Achei-a um sonho de miúda e fiquei ali a admirá-la, qual marinheiro perdido no oceano deslumbrando-se com uma sereia imaginária. Ela era real e nos dias seguintes encontrava-a muitas vezes, mas nunca parei para conversar com ela. Por vezes olhávamo-nos um para o outro. A minha timidez e receio de ser rejeitado mantinham-me neste recato.
O encontro acabou por terminar e houve as tradicionais despedidas com trocas de objetos pessoais, promessas de amizade eterna e choradeiras. Não sei como me despedi dela, mas ainda guardo com muito carinho o que me deixou escrito: "A distância traz saudade, mas nunca o esquecimento". Fiquei atónito. Não me tinha apercebido de que tinha tido algum significado para ela.
Por vezes encontro o testemunho que me deixou e penso se ainda me lembraria dela se não me tivesse escrito aquilo. Penso que não. Acabaria por esquecê-la assim que as chamas se apagassem. Mas tendo-o feito mostrou-me que os nossos sentimentos eram recíprocos e isso acendeu ainda mais o fogo que já ardia em mim.
Mas a distância acabou por falar mais alto. Com trezentos quilómetros entre nós e com outro relacionamento, mais tangível, a ter início acabei por deixar escapar esta sereia para sempre. Deixei-me guiar pela razão desprezando a vontade do coração e isso este nunca me perdoou.
Nunca mais soube nada dela. Já a procurei nas redes sociais, mas sempre sem sucesso. Talvez tenha agora outro apelido. Talvez tenha marido e filhos. Reacender esta amizade só iria trazer complicações. É melhor continuarmos assim. Vou me lembrando desta sereia de vez em quando com uma ternura infinita, confortando-me com a ideia, provavelmente falsa, de que ela ainda não me esqueceu e ainda procura o meu aceno, lá longe, num ou noutro barco negro que, com as velas já soltas, cruze o seu horizonte.