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O que fica na gaveta

Miguel Lucas

O que fica na gaveta

Miguel Lucas

A rosa amarela

Ultimamente tenho viajado bastante. Vou a terras longínquas. A outros planetas, como fazia o Principezinho. Numa dessas viagens encontrei uma rosa. De início, também era igual a tantas outras rosas. Era uma rosa amarela. Não daquele amarelo vaidoso, quase laranja. Nem daquele que se confunde com o branco. Era de um amarelo limão. Sim, era isso. Um amarelo fresco e alegre, a lembrar o Verão. Mal vi aquela rosa achei-a bonita, como aliás são todas as rosas. Mas cedo comecei a diferenciá-la das outras, porque passava por aqueles lados algumas vezes.

Quando passava deitava-lhe sempre o olho e cumprimentava-a cordialmente. Ela retribuía com a mesma moeda. Era uma rosa simpática, falava muito bem a toda a gente. Era mais atenciosa com os humildes mostrando-lhes sempre o seu lindo sorriso e espalhando alegria à sua volta. Ela deixava-os contentes e com mais vontade de trabalhar. E isso ainda me fazia gostar mais dela. Com os seus iguais não se deixava ficar. Tinha resposta pronta e era muito sensata merecendo por isso bastante respeito. Aquela rosa começou a cativar-me e percebi que também a cativava. Pelo menos um pouco. Porque quando gostamos de uma rosa e lhe damos atenção, uma atenção desinteressada, essa rosa também gosta de nós. E foi isso que acho que aconteceu.

Houve uma altura em que começámos a conversar. Sentava-me no chão ao seu lado e ia-lhe contando um pouco da minha vida. Ela gostava mais de ouvir do que de falar e ia-me ouvindo com atenção parecendo gostar do que lhe dizia. Mas mesmo sem falar nada sobre si mesma eu ia percebendo, pelas suas expressões, pelo seu olhar, pelos seus gestos tímidos, como é que ela era. E eu não me calava. Não era por medo de um vazio de conversa. Era mesmo porque ela parecia interessada em saber. E assim fomos ficando amigos. É boa a amizade. Faz-nos esquecer todo o resto, parecendo ser a coisa mais importante. É mesmo a coisa mais importante.

Enquanto estava naquele planeta a rosa amarela, cor de limão, era muito importante para mim. Mas chegou o dia em que tinha de voltar para o meu lar. Tive pena de deixar a rosa amarela e não sabia se regressaria àquele planeta. Quando nos despedimos ela deu-me um beijo na cara o que me surpreendeu, por um lado, mas veio a confirmar a ideia que tinha dela. Fiquei mais contente do que triste pois sabia que mesmo que não voltasse a encontrá-la podia escrever-lhe do meu planeta e que, para os amigos, muitos anos são como se fossem dias.

 Escrevi-lhe algumas vezes e ela ia-me respondendo, embora demorasse mais tempo do que aquilo que eu desejava. Mas sabia que era uma rosa muito viva e que tinha muito a fazer com as outras rosas. Para além disso também não gostava de escrever. E muito menos sobre ela, claro.

Numa dessas cartas explicou-me que gostava mais de desenhar e que desse modo conseguia falar sobre si mesma. Fiquei logo muito curioso acerca dos seus desenhos porque mesmo conhecendo um pouco da sua essência, uma pessoa gosta sempre de saber o que uma rosa tem para contar. Saber de onde veio; que vento levou a sua semente para aquele planeta; do que é que gosta mais de fazer, essas coisas mundanas e também outras mais sérias. Porque todos nós temos coisas mais sérias para contar a alguém. Um dia hei-de ver um ou outro desenho seu.

Mais tarde, numa altura em que a órbita do seu planeta passou mais perto da Terra, quis encontrar-me com ela. E foi o que combinámos. No dia do nosso encontro uma brisa terrestre, vinda do polo-Norte, não lhe fez nada bem e marcámos para outro dia. No início achei que tivesse sido uma desculpa e que ela não estivesse para me aturar. Mas acho que estava errado, o que me acontece muitas vezes. Sobretudo quando tento adivinhar pensamentos de rosas.

Essa altura foi muito confusa. Desmarquei o nosso encontro. Mas depois quis outra vez encontrar-me e combinámos que o faríamos quando a órbita dos nossos planetas se aproximasse outra vez. Não sei daqui a quanto tempo. Acho que ficou com medo de que eu quisesse arrancá-la da sua terra para a plantar na minha, ficando longe do seu planeta ameno e sentindo-se muito sozinha ali enquanto eu andava na minha vida. Mas não era isso que eu queria. Queria apenas estar mais um pouco com ela. Ela não me disse isto pois as rosas nunca mostram o que sentem, muito menos esta rosa. E o que eu mais fazia era adivinhar os seus pensamentos. Mas como é que um homem consegue adivinhar os pensamentos de uma rosa?

Agora os nossos planetas já estão um pouco afastados, mas quando o vento vem de feição ainda sinto o aroma das suas pétalas. Embora já não nos correspondamos tanto, guardo sempre esta rosa no meu coração e acho que com ela também acontece o mesmo. 

Em vez da tristeza da saudade tenho a alegria de nos termos pertencido um pouco. E quando fecho os olhos, se quiser, consigo vê-la. Com a sua cor amarela, mas de um amarelo limão. Um amarelo fresco e alegre a lembrar o Verão.

Abril de 2015

 

 

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Os nomes aqui citados apenas são verdadeiros nas histórias que são fictícias.

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