A empregada do café
Tenho por hábito, ao fim-de-semana, tomar café a meio da manhã. Há uns meses resolvi experimentar um café ao pé de minha casa que reabrira depois de um confinamento já não sei de quanto tempo. O café é bom, mas o que mais me agradou foi uma das empregadas que lá trabalha. Apesar de usar sempre máscara, vê-se que é jovem e tem uma silhueta que roça a perfeição. Escusado será dizer que adotei este café como local de culto. O café ali é mesmo bom...
Há cerca de um mês vi-a pela primeira vez sem máscara. Não foi uma grande decepção, mas tinha uma fisionomia completamente diferente da que construira nas semanas anteriores. Bastante menos bonita, mas já nada havia a fazer... Já me tinha afeiçoado a ela e rapidamente passei a gostar do seu rosto e a habituar-me a ele, pois quando simpatizamos com uma pessoa gostamos das suas características independentemente do respetivo feitio. Apesar de ela ser de poucas conversas, tal como eu, era sempre um prazer lá ir. Mesmo não recebendo de sua parte sinais de atenção ou de simpatia.
Hoje, quando lá cheguei, ela estava a limpar uma mesa da esplanada. Procurei dar-lhe os bons-dias, mas ela não olhou para mim, apesar de ter ficado com a certeza de que me vira. Pedi o café ao balcão e ela acabou por se aproximar, mas apenas para registar qualquer coisa no écran táctil, mais uma vez sem me dar oportunidade para a cumprimentar. Como se tornou regra, dirigi-me para uma mesa alta, cá fora, para o tomar sem me sentar. Neste período apenas a vi à distância e, quando decidi ir-me embora, levei a chávena ao balcão mais para ter nova oportunidade de me cruzar com ela do que por amabilidade, embora costume ter esta atenção noutras ocasiões.
Como desejara, nesse momento, vi-a vir na minha direção e preparei-me para me lhe dirigir. Tal não foi necessário porque, antes que isso acontecesse, fez-me o sorriso mais bonito que alguma vez eu pudesse desejar, o qual se espelhou imediatamente na minha cara. Nem foram necessárias palavras para que os votos de bom-dia fossem proferidos. A emoção que tive foi de absoluta felicidade e comecei logo a congeminar futuras abordagens.
Não sei porque preciso tanto de momentos como este. Destas massagens no ego. Talvez por precisar tanto deles ando constantemente a procurá-los. Em geral acontecem quando menos espero e com uma frequência muito inferior àquilo que desejava. Mas quando acontecem, parece que fico nas nuvens, o que compensa a sua raridade. E a vontade de os deixar escritos talvez se prenda mais com o receio de os esquecer do que com a alegria em partilhá-los. Em relação a ela, até aqui eu seguia pelo carreiro, apesar de pisar nas ervas de vez em quando. Com o percalço de hoje fiquei com mais vontade de dele me desviar, apesar de saber que o precipício está mesmo ali ao lado. Uma coisa é certa: vou continuar a tomar café neste lugar...