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O que fica na gaveta

Miguel Lucas

O que fica na gaveta

Miguel Lucas

Je suis malade

Ouvi esta música pela primeira vez no sábado passado, no rádio do carro, durante o programa "Hotel Califórnia" do Júlio Isidro e do Paulino Coelho. De imediato me identifiquei com o título e com a melodia da canção. A circunstância não era para menos: estava a regressar a casa tendo-me desviado do caminho mais direto só para passar pela rua onde há dias vi entrar a mãe da Catarina...

Não compreendi logo a totalidade da letra pelo que, assim que saí do carro, procurei a sua tradução. Mais bem informado do significado daquelas palavras, ainda mais identificado me senti, principalmente com os seguintes versos regurgitados pelo seu autor e intérprete, Serge Lamas: "Privaste-me de todas as minhas músicas. Esvaziaste-me de todas as minhas palavras, mas eu tinha talento".

Também eu estou doente. Mas não ponho as culpas exclusivamente no meu amor pela Catarina. Começou muito antes. Talvez na minha adolescência, com uma decepção que me abriu uma grande ferida. Ou então na que vivi em 2011, com a Susana. Nesta altura estive três anos bastante doente. Gradualmente fui recuperando, mas nunca mais voltei a sentir entusiasmo pela vida.

Nem mesmo depois de me apaixonar pela Catarina. Não é com um amor ilícito que se alcança a felicidade... Apesar da esperança, que permanecia dentro de mim, como se o impossível naquele momento se viesse a tornar possível dentro de pouco tempo. Somente com a sua gravidez me deparei com a dura realidade. E também com o facto de ela ter decidido a partir dessa altura nunca mais olhar para mim...

Je suis malade, complètement malade. De que me vale calcorrear os seus caminhos? Procurá-la onde antes a encontrei? De que me vale pensar que ainda não está tudo acabado?

Por coincidência vi-a neste mesmo sábado, ao fim da tarde, depois de uma ausência de seis semanas, sim, que as fui contando. Seis semanas de uma ausência que culminou noutra, ainda mais tenebrosa: A ausência do seu olhar... sei que ela me viu, mas manteve-se determinada na sua decisão. Senti-me inebriado com a sua presença, mas ao mesmo tempo devastado com a ausência da sua alma. Observá-la foi como deslumbrar-me com uma obra de arte ou como se me tivesse aparecido um anjo... A minha alma ria, mas ao mesmo tempo o meu coração chorava. Estou doente...

E a prova disto são as ideias que me surgem quando olho pela janela do meu 5º andar. Mas não se preocupem comigo, que não farei nenhuma loucura. Não tenho coragem para tal. Nem que escolhesse uma forma menos dolorosa. Tenho medo de que a minha alma venha a errar num limbo ainda mais insuportável do que este em que me encontro. Dizem que quem se mata o faz por cobardia, mas não concordo com isso. Fazem-no por desespero. Cobarde sou eu e este é o defeito que mais detesto em mim. A par da moleza e da preguiça.

Eu tinha talento. Mas enterrei-o e cada vez se encontra mais fundo. Dei ouvidos à legião dos que me desvalorizam e cobri-me com as vestes de um falhado. Deixei-me vencer por uma legião da qual talvez só seja real o seu implacável comandante, que sou eu. Deixei que a minha letargia se me colasse à pele como se fosse um traço da minha personalidade, quando mais não é do que um estado de alma. Por estar doente. Completamente doente. E não saber como me curar.

 

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Nota:

Os nomes aqui citados apenas são verdadeiros nas histórias que são fictícias.

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