Que terá ela de tão especial?
Vi-a num relance, quando desinteressadamente levantei os olhos do telemóvel, por entre os muitos rostos que se me apresentavam naquela carruagem repleta. Não a achei muito bonita, mas tinha algo que me fez prontamente ajustar-me na cadeira, compor o casaco e dar um jeito ao cabelo. Só via a sua imagem das clavículas para cima, mas fiquei tão impressionado como se me estivesse a ser apresentada de corpo inteiro em toda a sua nudez. Olhei-a novamente. Uma e outra vez. Tentei compreender a razão de tão súbito e avassalador interesse sem, no entanto, o conseguir fazer.
Quando o comboio se aproximava da estação terminal, levantou-se. Meus queixos caíram perante uma mulher que, à maioria dos homens, estou certo, não faria voltar a cabeça. No entanto, tudo nela me inquietava e me fazia querer tê-la. Adorei os seus lábios serpenteados, os seus olhos grandes, o seu cabelo apanhado, a pequena papada no queixo, as manchazinhas que tinha na pele, a sua postura, o seu joelho ligeiramente para dentro, os seus seios comedidos e tão bem delineados, sob aquele top em malha, de mangas curtas. Tudo nela se tornou de repente para mim desejável e irresistível: fosse bonito, vulgar ou até dispensável. Ou seja, tudo nela se tornava admirável...
Quis saber mais dela tentando não lhe perder o encalço, mas ela meteu-se numa escada rolante que funcionava, ao contrário da minha, e foi-se afastando naquela amálgama de gente. As bichas para validar os bilhetes para o metro estavam intermináveis e, com azar outra vez, fui enfiar-me na mais lenta de todas. Quando consegui finalmente transpor aquela espécie de cancela, acelerei o passo o mais que pude, quase me pondo a correr, o que só não fiz por decoro, mas não cheguei sequer a vê-la.
O metro já estava cheio e ela só podia estar lá dentro. Ainda consegui entrar, mas não a vi nas imediações, até onde a multidão me permitia avistar. Ainda tentei furar pelas carruagens adentro, mas depois de conquistar apenas meia, desisti, sob pena de parecer um pai desesperado em busca do seu filho perdido. Em cada paragem tentei ver se a via na plataforma, mas sempre em vão. Até que a minha estação acabou por chegar, e com ela o fim inacreditável da esperança que tinha em voltar a vê-la. Pelo menos até a uma próxima viagem...