Sempre que vou de comboio para o trabalho tu viajas comigo. E eu gosto da tua companhia. Mesmo que vás noutra carruajem. O facto de te saber ali já me conforta. Sei que és ainda muito nova. Que podias ser minha filha. Que terás saído há pouco da idade da inocência. No meu caso é o contrário. Há muito que a perdi. Contudo, sinto-me a regressar a ela. Sinto que estou a voltar a comportar-me como quando era miúdo. Se por um lado este retrocesso é triste, por outro alegra-me o regresso a uma pureza que julgava para sempre perdida. O envelhecimento tem esta compensação.
Estranhamente, sinto que gostas da minha presença, mas deve ser fantasia minha. Como poderias gostar da companhia de um velho? Pelo menos deve ser assim que me vês. E esta é a maior dor que provoca a idade. Saber que nunca mais uma mulher como tu se interessará por mim... Se por um lado se regressa a uma maior pureza de sentimentos, por outro, torna-se inalcançável a exteriorização dos mesmos. Não podia ser mais cruel esta compensação. Na viagem de comboio entramos e saímos nas mesmas estações. Na viagem da vida acabas de entrar numa carruagem da qual estou prestes a sair.
Gosto do teu olhar. Sendo os teus olhos também bonitos é no olhar que encontro a tua maior beleza. Nele encontro algo da tua alma, que inexplicavelmente muito me agrada. Gostava de ser miúdo novamente. De ter a idade em que dar as mãos é a melhor coisa do mundo. Gostava de fazer esta viagem de mãos dadas contigo. Somente.
Nunca ousei manifestar-me. E se por acaso me encontraste a olhar para ti, mais não viste do que um olhar desinteressado, que pousou em ti como nos prédios que passam lá fora, ou em alguém que se sentou ao teu lado. Não me permito dar-te a entender que não me és indiferente. Não tem a ver com as normas da sociedade. Tem a ver com a minha certeza de que não vale a pena. Viajarei mais vezes contigo, certamente. E só isso já é muito bom.