Uma década depois já não me é penoso falar da Susana. Convivi com ela apenas quatro meses, mas foi o tempo suficiente para que a minha vida nunca mais fosse a mesma. O destino, tão depressa me ofereceu a oportunidade de conhecer e amar tão intensamente uma mulher, como roubou para sempre aquilo que parecia vir a ser eterno.
A Susana foi a fisioterapeuta que reabilitou o cotovelo a que tinha sido operado. Não era a única naquela clínica, nem tão-pouco me estava atribuída. Ficava com ela como podia ficar com qualquer uma das outras. No início achei-as todas bonitas. Era um sítio onde qualquer homem se sentiria bem. Mas a Susana era de uma beleza invulgar. Não no sentido de ser mais bela do que o normal, mas sim pela sua especificidade, possuindo traços muito próprios e muito agradáveis. Fui-me afeiçoando a ela. E ela também se foi afeiçoando a mim.
Quatro meses depois decidi interromper a terapia por força de ter mudado de emprego. Apesar da insistência da sua parte em continuar os tratamentos, já que não implicava um desvio por aí além nas minhas deslocações casa trabalho, quis aproveitar para o fazer, pois a situação entre nós parecia estar a tomar um rumo que, apesar de muito o querer tomar, não podia permitir. Nas últimas semanas antes de sair tudo evoluía de uma forma muito rápida. Comecei a perceber que me estava a apaixonar por ela, por causa do aperto que experimentava sempre que pensava que não a ia ver mais. Não queria que o último dia chegasse e sentia que o mesmo se passava com ela.
Numa das últimas sessões fez-me um exercício que nunca havia feito antes, o qual exigia que pegasse na minha mão. Não estava a acreditar no que estava a acontecer! Aproveitando aquela oportunidade, e após uma grande hesitação, por medo de ser rejeitado, atrevi-me a apertar a sua mão na minha. Não sei por quanto tempo permanecemos assim. Tinha fechado os olhos e entrado numa espécie de transe, num desfrutar de um gozo pleno que nunca antes tinha sentido. Só voltei a mim quando a Susana decidiu terminar o exercício e me apercebi de que, quando tentou libertar-se da minha mão, esta se entrelaçara na sua, não se querendo deslargar.
Quando chegou a última sessão, em que passámos o tempo a falar da minha eventual continuidade, acabámos por nos despedir sem demasiada efusão. Apenas com dois inocentes beijinhos, o que já foi fora do habitual. Quando me vi cá fora, sabendo que nunca mais a ia ver, senti uma amargura como nunca tinha sentido antes. O mundo ficou para mim, de repente, completamente cinzento. Nada perecia fazer sentido. Parecia que tinha morrido. A sessões eram à hora do almoço. Ainda fui trabalhar à tarde, não sei como, tal era a tristeza que sentia. Decidi então que isto não podia ficar por aqui. Que sentido tinha tido esta conjugação de astros se era para terminar desta maneira?
Acabei por encontrá-la nas redes sociais e por lhe enviar uma mensagem inocente. Respondeu-me, também inocentemente. Na quarta vez que lhe escrevi, já sem receber resposta às anteriores, deixei de ser inocente. Escrevi-lhe a correr, dizendo-lhe que só me apetecia ir ter com ela, que não sabia o que se estava a passar comigo, que já não tinha idade para estas coisas. Tinha de ir vê-la. Não suportava o seu silêncio. Tinha de saber o que sentia por mim. Ainda fiz por várias vezes, ao fim do dia e em vão, os 30 km que nos separavam para ver se a encontrava. Só quando decidi fazê-lo à hora do almoço é que isso acabou por acontecer. Ela estava a regressar à clínica enquanto eu esperava, próximo da porta. Quando me viu ficou espantada. Apanhei-a completamente desprevenida e, sem tempo para pensar. Acabou por ter uma reação que era tudo menos de quem não me queria ver. Ia ao seu lado uma colega, que eu também conhecia que, perante tal reação, se sentiu a mais e prosseguiu o seu caminho, sem sequer me cumprimentar. Como vi que não tínhamos tempo para conversar, perguntei-lhe a que horas saía para nos encontrarmos nessa altura. Ela estava com um sorriso radiante e um brilho nos olhos que jamais esquecerei. E eu explodia de alegria por dentro. Mal consegui trabalhar nessa tarde ansioso para que o tempo passasse.
Já tinha como certo que a história que estou a escrever seria muito mais longa, não fosse o desfecho totalmente inesperado que acabou por vir a ter. Conheci a Patrícia num curso de formação. Um curso pequeno, de apenas quatro aulas, em duas semanas. Os formandos não eram muitos. A Patrícia captou de imediato a minha atenção. Jovem, elegante, alta e bonita. Tinha uns cabelos pretos, muito longos, soltos e ligeiramente ondulados. Deitei-lhe o olho por várias vezes, porém, sem chamar a atenção. Durante a formação houve necessidade de agrupar as pessoas de acordo com as suas características e bingo! Eu e a Patrícia ficámos no mesmo grupo! A sorte estava do meu lado. No trabalho que desenvolvemos em grupo, em que éramos quatro pessoas, sendo ela a única mulher, tivemos de nos expor um bocado e fiquei nessa ocasião a saber que ela era casada. Fiquei desapontado, mas, ganhando consciência de que eu também o era, esse detalhe tornou-se irrelevante. Para além do mais não tencionava fazer nada de mal. É sempre assim. Vamo-nos aproximando do fogo até ao limite de nos queimarmos...
Engracei muito com ela. Dava-me prazer a sua companhia e intuía que ela também se sentia bem com a minha. Descobrimos muitas características em comum. Ficava desejoso para que chegasse a aula seguinte e, à medida que isso ia acontecendo, mais próximos nos íamos tornando.
Mais depressa do que desejava, a última aula chegou. Nesta, houve a necessidade de nos juntarmos dois a dois. Por sorte, e talvez por vontade mútua, acabámos por ficar juntos. Até agora as coisas não podiam estar a correr melhor. Foi tão bom este momento que passei com ela... senti que ela também estava a gostar. Sentia-a um pouco ansiosa pela forma como ia fazendo e desfazendo laços no seu bonito cabelo. Estava já a desconfiar de que esta aula não seria a última ocasião em que íamos estar juntos.
Quando a aula acabou e os colegas foram abandonando a sala, a Patrícia dirigiu-se a um dos nossos colegas de grupo, que estava ao meu lado, ambos virados para ela, e despediu-se dele. Quando esperava que ela fizesse o mesmo comigo, ansiando que os seus olhos me dissessem, mais do que verbalmente, aquilo que tanto queria ouvir, ela virou costas sem me dirigir qualquer palavra e muito menos um olhar. Foi-se embora ignorando-me por completo. A minha perplexidade foi indescritível. Ainda acompanhei visualmente todo o caminho que fez até à porta, com a certeza que nesse derradeiro momento me presenteasse com um último e desafiador olhar, mas enganei-me redondamente. Foi resoluta até ao fim.
Confesso que não esperava este final. Senti-me rejeitado e não consegui ter reação. Talvez um pouco condicionado pelo orgulho. Mais tarde ainda tentei contactá-la pelas redes sociais. Deixei-lhe uma ou duas mensagens, mas a sua resposta foi a mesma que me dera na despedida. Para ela eu tinha morrido ou, melhor, nunca tinha existido. Quando tentava compreender esta atitude ainda coloquei a hipótese que ela me estivesse a pôr à prova. Que tivesse feito aquilo para que eu saísse da sala atrás de si e aí, a sós, nos despedíssemos, talvez até nos beijássemos. Mas perante as posteriores atitudes percebi que este epílogo, à filme, não estava nas suas intenções.
E foi assim, com um golpe seco e certeiro, que a Patrícia pôs fim a esta história. Não sei se apenas para me poupar a grandes sofrimentos, se também, um pouco a si própria. A verdade é que resultou. Por outro lado, nunca mais a esqueci...
Certas mulheres possuem uma personalidade capaz de fazer um homem sentir-se completamente anulado. A sua altivez aliada a uma atractividade elevada, o desprezo que demonstram associado à vontade que temos de as conquistar, a ausência de um sorriso, de um brilho nos olhos, perante a nossa tentativa frustrada de as agradar, remetem-nos a uma insignificância que nos dilacera o coração. Por oposição ao desejo que, estupidamente, em vez de ser aniquilado por esta força, fica ainda maior. Efeito este responsável, com quase toda a certeza, pela continuidade do comportamento da impiedosa. Não são poucas as que têm esta conduta, que só se justifica encontrando elas um grande prazer na sua colocação em prática.
Conheci uma mulher destas no Shopping. Não era proprietária de nenhuma ourivesaria nem de uma loja de roupas caras. Não calçava saltos altos nem usava joias. Não usava vestido comprido nem, tão-pouco, o contrário. Não usava penteados sofisticados. Era simplesmente a empregada de balcão da pastelaria. Era baixa, vestia-se de forma simples, usava ténis, calças de ganga, cabelo escuro apenas penteado. Contudo tinha uma fisionomia, um corpo, uma postura, que me provocavam um desejo enorme de conquistar a sua simpatia. Mas a sua inclemência a toda e qualquer investida da minha parte deixavam-me completamente frustrado. Sempre que lá ia tinha que estudar a minha atitude de forma a que não me pudesse sentir subjugado, o que raramente acontecia. Tornava desajeitada qualquer investida que eu tentasse fazer. Nunca deu o flanco. Tive que desistir.
Mas há outro tipo, com algumas diferenças. Conheci uma empregada de limpeza, muito sensual, com cerca de quarenta anos. Arranjava-se e tinha um corpo com curvas insinuantes. Para além disso era simpática. Assim que percebeu que despertara em mim certo interesse começou a desprezar-me. Passou a não me dirigir palavra nem sequer um olhar. Esperei mais uma semana e o mesmo se sucedeu. Decidi então, na semana seguinte, pagar-lhe com a mesma moeda. Quando chegou, agi como se ela não existisse. Não é que o comportamento dela se alterou na semana seguinte e nas subsequentes... voltou a dar-me atenção inclusive a parecer ficar amuada por eu não lhe ligar tanto quanto desejaria... vá lá um homem perceber as mulheres... Tudo não passara de um jogo. Do qual, diga-se de passagem, não sou apreciador.
Outra, lançou-me primeiro um laço. Captou a minha atenção. Fez-me ficar interessado. Insinuou uma certa possibilidade. Assim que percebeu que eu estava no papo, adotou esta atitude. Confesso que, neste caso, tive certa dificuldade em lidar com a situação. A miúda soube levar, por um tempo considerável, a sua avante. E eu ainda rastejei por uns tempos, embora nunca me tenha deixado levar à situação de implorar. Isso nunca!
Os homens não são todos iguais. As mulheres muito menos. O nosso erro é, por vezes, fazer os outros à nossa imagem e semelhança, não colocando a hipótese de poderem ser totalmente diferentes de nós. Com motivações que não nos passam pela cabeça. E mulheres destas são assim. Não querem ser amadas. Não precisam disso. Querem dominar. Querem ter um capacho onde limpar os pés. De preferência que lhes proporcione uma vida melhor. Não sejamos papalvos. Cuidado com mulheres destas. Fujam a sete pés. Não lhes deem hipótese.
A Joana é colega da Eva e foi no seu telemóvel que a vi pela primeira vez, deslizando no écran. Deve ter sido há pelo menos cinco anos. Ela é muito bonita. Pele clara, cabelos cor de mel, sempre com um sorriso nos lábios e nos olhos. A Eva já me tinha falado desta sua nova colega e eu já andava curioso. Pessoalmente só estive com ela duas ou três vezes, se é que se pôde considerar estar com ela, pois foi em ocasiões muito pontuais, sempre inibido de a interpelar convenientemente.
Ao longo do tempo, mesmo sem estar com ela, fui ficando a conhecê-la por meio do que a Eva me ia contando. Elas dão-se bastante bem e a Eva tem muita simpatia por ela, o que também me contagiou. Fiquei a saber como ela é mimada, carinhosa, carente, despreocupada e muitas outras características suas. Fiquei a gostar muito dela. Fiquei também a saber um pouco sobre a sua vida sentimental. Que as suas relações não são muito duradouras. E que nos períodos intermédios sofre um pouco. Num destes períodos a Eva queixou-se de que a Joana andava insuportável, carente e com falta de homem... E vai-me contando estas coisas ingenuamente, pensando, não sei porquê, que eu fico indiferente. Como ela se engana...
Uma vez, quando tive que me deslocar em trabalho às Ilhas Baleares, a Joana soube-o e pediu-me, através da Eva, que lhe trouxesse umas menorquinas, que são umas sandálias típicas daquelas ilhas. Quando lá estava, foi com prazer que lhe dediquei aquele tempo, procurando as que melhor se assemelhassem às das fotos que recebi. Senti um enorme prazer em atender este seu pedido, saboreando cada momento que gastei a procurá-las e imaginando como lhe iam ficar nos seus delicados pezinhos. E foi com alguma facilidade que encontrei o par que preenchia os requisitos.
Quando estava a acondicioná-las na mala para me ir embora cometi o erro de pegar nelas e dar-lhes um beijo como se os seus pés estivesse a beijar. Digo erro porque não tenho a certeza de que os objetos não transportem consigo qualquer coisa das pessoas que os retiveram. Algo meu ficou naquelas sandálias e talvez a Joana as associe a mim quando as calça. Na verdade, sinto que eu não lhe sou indiferente, não sei explicar porquê. Comecei a sentir haver uma certa ligação entre nós. Uma certa intimidade. Aquela sensação de que se me encontrasse a sós com ela poderia retirar a máscara e falar com ela com a cumplicidade de dois velhos amigos.
De vez em quando torno a vê-la desfilar no telemóvel da Eva. Na praia, em biquíni, em festas com os amigos. Sempre sorridente e linda. Como suspiro por dentro nestas ocasiões... A Joana é a mulher que para mim melhor concilia os dois tipos de atractividade. O seu corpo atrai-me tanto como a sua alma. Geralmente isto não me acontece. Tenho tendência para amores platónicos, no sentido em que, nesses casos, o sexo nem me passa pela cabeça. É um prazer menor comparado com o de partilhar o momento com a pessoa amada. Mas com a Joana é diferente. Não consigo dissociar as duas coisas e uma parece ser a consumação da outra. É muito diferente do que sinto por outras mulheres em que apenas a atração física está presente. Nestes casos, assim que me afasto delas, afasta-se também delas o meu pensamento.
No caso da Joana, apesar do afastamento, a sua presença afirma-se muitas vezes. A Eva, sem o saber, vai deitando achas na fogueira. Ainda há dias, no pingo do verão, e a propósito do calor que fazia, saiu-se com o comentário de que a Joana confessou no trabalho que, estando agora sozinha, para suportar o calor dorme toda nua... Como pode um homem ficar indiferente a descrições como esta? A que delírios pode conduzir a imaginação fértil de um homem como eu... Estes deslizes só fazem com que o meu desejo pela Joana vá crescendo cada vez mais. Felizmente não têm surgido oportunidades de me encontrar com ela, pois tenho a certeza de que não conseguiria resistir a tentar seduzi-la.
O melhor remédio é seguir o ditado: longe da vista longe do coração. Tento mantê-la o mais afastada possível dos meus pensamentos. Nunca aderi ao Instagram e a Joana é a principal responsável por isso. Não conseguiria suportar vê-la e ficar quieto. Não sou masoquista. Mas por vezes dá-me tanta vontade...