Dizes?
Diz-me só quando vai ser, dizes?
Diz-me só se ainda falta muito
ou se está quase, dizes?
Só para saber
quanto tempo ainda tenho
para não desistir de ti.
Dizes?
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Diz-me só quando vai ser, dizes?
Diz-me só se ainda falta muito
ou se está quase, dizes?
Só para saber
quanto tempo ainda tenho
para não desistir de ti.
Dizes?
O meu amor é um fogo
que se ateia sempre que te vê.
Rarefeito de ti
torna-se uma espessa nuvem
de fumo negro
que me engole e sufoca
sem nunca se dissipar
até à hora em que,
por mais que demores,
ele te volta a ver.
Fumo sem fogo não há.
Fogo sem fumo
meu amor nunca viu.
Quando vais àquele lugar,
que costumo frequentar,
ficas por mim a ansiar?
Ou rezas para eu não estar?
Ou nem sequer a ocupar
teus pensamentos vou chegar?
Porque quando venho a entrar,
por mais que tente afastar
o desejo de te encontrar,
não consigo sossegar
enquanto não te avistar.
Era só isto que queria saber.
Chegou a hora de fechar o salão.
Já todos se foram embora.
Lá fora, soube, ela vai prometer
fidelidade até que a morte os separe.
Só eu resisto, sentado, tamborilando o balcão
Relutante em abandoná-lo definitivamente.
Esperando que ela se tenha esquecido de algo.
Que volte, e ao fazê-lo mude de ideias...
Ela não vai voltar.
E se o fizer, não mudará de ideias.
Vou saldar a conta.
Não posso mais cá voltar.
Hoje comprei um L&M Blue e mal dei a primeira passa lembrei-me da história que vos vou contar, já lá vai muito tempo... Tinha 18 anos, a carta de condução há uns meses e um dos primeiros maços de tabaco no bolso: um SG Ligths. Estou a referir-me a um encontro de amigos do curso do meu pai, com as respetivas famílias. Éramos cerca de oito famílias. Fui com os meus pais, o meu irmão e a minha irmã. Tenho a impressão de que até fui eu a conduzir para o Vimeiro, sob as orientações frequentes e enervantes do meu pai. Nós, os filhos, não conhecíamos nada bem esta gente, mas havia alguns jovens da nossa idade, infelizmente, para mim e para o meu irmão, quase todos rapazes. No entanto todo um universo de prespectivas se abriu quando chegámos ao hotel Golf Mar. Andavam por lá, à solta, umas raparigas do Porto, das nossas idades, que achámos muito desinibidas comparando com as que conhecíamos na nossa zona de Lisboa. Por sorte, os rapazes do nosso grupo eram mais sabidos do que eu e o meu irmão, que tinha nesta altura apenas 16 anos.
Isto fez com que, quando fomos para a piscina, metessemos conversa com um grupinho de quatro miúdas. Elas andavam entre os 17 e os 18 anos. Todas bonitas, faladoras e galhofeiras. E não nos devem ter achado de deitar fora, caso contrário não nos teriam desafiado para um encontro depois do jantar. Ficámos eufóricos!
Não me lembro nada do que se passou durante o jantar. Devemos ter comido à pressa, apenas com uma coisa na cabeça: o encontro com elas. Mas lembro-me de que nos reunímos os cinco num dos nossos quartos, para delinear estratégias. Aparecemos lá já com roupa de sair, que não devia ser nada de especial, e entretivémo-nos a conversar sobre as hipotéticas situações que poderiam ocorrer, influenciados por aquilo que era o nosso desejo do que viesse a acontecer... Lembro-me também que um de nós chegou mesmo a bochechar com perfume para irradicar a possibilidade de ter mau hálito.
A hora chegou e, espante-se, elas não faltaram ao prometido. Juntaram-se a nós nesse quarto, longe dos nossos pais o adivinharem... O que se sucedeu depois não exigirá muito das vossas imaginações. A conversa deu lugar a mais conversa, galhofa e gargalhadas, mas nada mais do que isso. Elas não deviam estar para aí viradas. Ou então fomos nós que fomos muito anjinhos, talvez esperando que fossem elas a atacar-nos, faltando-nos a coragem para dar um passo mais afoito. Creio que ainda nos encontrámos com elas no dia seguinte na piscina, mas nada mais de especial aconteceu.
Trouxe no maço de tabaco o número de telefone de uma delas, que ainda guardo, mas nunca lhe liguei. Talvez tenha sido uma grande estupidez, nunca saberei. Hoje é raro fumar, nunca fui grande fumador, aliás, mas há dez anos que deixei de comprar cigarros regularmente, mas quando o faço e sinto aquele aroma lembro-me sempre deste encontro. Cada passa faz-me regressar àquela ingenuidade e à excitação que tivemos na esperança de irmos ter uma noite inesquecível, que acabou por sē-la, mesmo assim.
Catarinazinha,
Que estúpido eu fui em ter-te escrito. Se não o tivesse feito, tudo o que aconteceu entre nós, que foi tanto tendo sido quase nada, talvez estivesse já a desvanecer-se. Mas não. Pus-te ao corrente. Evidenciei o problema. E agora já não é possível voltar atrás. Há provas escritas. Tu sabes o que eu sei. Como posso esquecer uma coisa sabendo que ela pode não ser esquecida por ti? Ter-te escrito ditou a perpetuidade da situação. Ou, pelo menos, de a prolongar mais do que seria desejável. O mal está feito! Resta-me roer-me de saudade quando não te vejo ou de privação quando te vejo sem que possa estar contigo. Ainda por cima agora quase não te vejo. Se ao menos quisesses quebrar as regras... Mas tens sido exemplar. Procuras estar sempre fora do meu campo de visão e eu nem contemplar-te ao menos posso fazer. Só isso me bastaria, Catarina. Não quero mais que isso. Amo-te tanto. Como pude deixar-me chegar a este ponto, meu amor... Os dias passam, as semanas e os meses passam, mas não há meio de passar a tua presença dos meus pensamentos.
Beijo, Miguel
No dia em que ia regressar a Portugal, estava na espectativa de reencontrar a Luana, a hospedeira que tinha vindo no voo doméstico que me tinha levado de Belo Horizonte a Governador Valadares na semana anterior. Nessa viagem fiquei no primeiro lugar a contar da cabine, junto à saída de emergência, do lado da coxia. As hospedeiras eram muito bonitas, muito mais bonitas e simpáticas que as da TAP, e a que ia à frente era-o especialmente. Teve de me explicar o procedimento para abrir as portas de emergência em caso de necessidade e eu a oportunidade de de me.deleotar com a sua voz e com os seus gestos. Quando tinha de se sentar, fazia-o do outro lado da coxia, ficando praticamente de frente para mim. Ou seja, tive a feliz sorte de a poder ir observando discretamente durante a maior parte da viagem. Era realmente bonita. Estava noite de temporal. Notava-se que ela estava tensa, mas fazia tudo para se mostrar segura e confiante, o que acentuava ainda mais a sua beleza. Ao mesmo tempo dava vontade de a tranquilizar. Ela nunca olhou para mim directamente, mas sei que percebia que eu a ia observando, parecendo sentir-se embaraçada. Por isso fui diminuindo os tempos das minhas contemplações. Num instante a viagem acabou, não só porque tinha apenas uma duração de 40 minutos, mas fundamentalmente porque estava a ser deliciosa. Perante a sua beleza e graça eu estava meio atrapalhado e até um pouco aborrecido comigo mesmo por mais uma vez estar a tentar seduzir outra mulher. Quando peguei na mala para sair do avião, talvez por timidez, talvez por sentir que ela tinha percebido tudo, e também para não alimentar mais aquele fogo, decidi não olhar para trás não me tendo despedido dela nem agradecido nada. Fiquei um pouco chateado por não o ter feito, mas achei que tinha sido melhor assim.
No dia do regresso a Portugal, quando entrei no avião que me ia levar a Belo Horizonte, estavam lá duas beldades, mas nenhuma era a Luana. Que pena. Gostava de a ter visto uma vez mais. Aterrámos no aeroporto da Pampulha, que é um aeroporto mais pequeno, mais próximo de BH, para os voos domésticos, e acabei por sair do aeroporto sem nunca a ter visto. E assim tinha morrido a minha última esperança. Depois fui para o aeroporto de Confins, este internacional, a 30 km do primeiro, para apanhar o avião para Portugal. Estando eu a deslocar-me no interior do aeroporto cruzei-me com duas hospedeiras que seguiam em sentido contrário e, para meu espanto, constatei que uma delas era a Luana. A fracção de segundo em que os nossos olhares se cruzaram foi suficiente para entender algumas coisas: Percebi que ela já estava a olhar para mim antes de a ter visto. Percebi que me tinha reconhecido. E ainda me sobrou tempo para confirmar como realmente era bonita, mais bonita ainda do que a tinha achado na semana anterior. Ainda parei e me voltei para trás, mas apenas para a ver desaparecer, resoluta, no meio de toda aquela gente apressada. Não se voltou para trás, mas, o olhar que me entregou neste dia, que me tinha negado no outro, fez-me levantar voo ainda antes de entrar no avião. E quando aterrei, já em Portugal, ainda pairava sobre aquele Belo Horizonte.
Fevereiro de 2014
Não estou a conseguir esquecê-la. Ou melhor, não estou a conseguir querer esquecê-la. Nas minhas esporádicas orações, quando estou para pedir ajuda para a esquecer, vacilo. Receio que o meu pedido seja atendido e, no íntimo, quero é pedir para que ela goste de mim... Não estou mesmo a conseguir querer abrir mão dela. Não me convenço de que nunca sentiu nada por mim. E convenço-me de que ainda sente... agarro-me às expressões que percebi no seu rosto, aos brilhos que encontrei nos seus olhares, à ansiedade que vi nos seus gestos... Nada disto foi adivinhado por mim. Não foi delírio nem imaginação minha. Tenho a certeza de que foi real. O meu erro deve estar em não aceitar que os sentimentos mudam. Que por vezes não são certos e que percorrem caminhos erráticos. E isto pode e deve ter acontecido com ela.
Não acredito no seu amor pelo seu homem. Nunca acreditei. Mas é o homem que escolheu. É o que lhe pode dar conforto, lhe pode dar a mão. A pode amar. Eu não posso. Então o mais lógico seria centrar-me naquilo que tenho. Seria, nos meus momentos de recolhimento, deixar de pensar nela. Passar definitivamente uma esponja sobre ela. Só que, quando vejo o seu rosto, fotografado no meu cérebro como se estivesse à minha frente, como o vi na semana passada, ou na outra, e que fica gravado com tanta nitidez, dou-me por vencido. Porque as emoções que tenho quando a vejo, ávido por detectar o mais pequeno sinal seu, são difíceis de conter em mim. Sinto-me virar-me do avesso. Sinto o meu coração desinquietar-se. A respiração suspender-se. O peito ficar a doer-me. O tempo a alongar-se. O espaço a enevoar-se, deixando visível apenas ela. E vê-la é a mais maravilhosa experiência que se pode ter. E não quero deitar fora estes sentimentos...
Como é difícil um rico entrar no reino dos Céus... Como foi difícil para Judas abdicar dos trinta dinheiros. Não foi capaz. A minha riqueza é ela. Por causa do que me faz sentir. E não estou a querer sair deste inferno... Se verdadeiramente a amo tenho de desistir dela. Deixá-la ser feliz com a sua família. E colocar o meu futuro nas mãos de Deus. Ser perseverante. Confiar que Ele me deu o que é melhor para mim. E que, se houver algo melhor, a seu tempo Ele mo dará. Aceitando com humildade que pode não ser aquilo que agora quero. Parece ser tão fácil quando se pensa nisto desta forma tão racional... Quem me dera esquecê-la… naturalmente, sem custo. Simplesmente deixar de a desejar... amo-a tanto, porra!
No sábado passado, quando estava a jantar com a minha filha no Centro Comercial, e os meus pais ao lado (com quem nos encontrámos casualmente), reparei na senhora que estava na mesa à minha frente. Não me pareceu ser mais nova do que eu (daí a ter designado, propositadamente, por senhora), no entanto, achei-a tão atraente como se fosse uma jovem. Fez-me lembrar a Valerie Leon, atriz por quem nutro certa paixão, a par da Lily James e da Imogen Poots... O cabelo, castanho, ondulado e relativamente curto, não era pintado, mas se tinha brancos, dali não os conseguia ver. Tinha um sinalzinho maroto ao lado do nariz, uns lábios com um desenho maravilhoso e uns olhos azuis celestiais. Estava num grupo grande. Talvez num encontro familiar, apesar de não haver crianças. Via-se pelo à-vontade que tinham uns com os outros. Não sei se era alta, se baixa, se era magra ou gorda. Sei que me atraía intensamente. Estava vestida de forma casual, até muito caseira. Reparei que não tinha aliança... Não deixava de ir olhando para ela de vez em quando. Pelo menos de início, pois os intervalos de privação cada vez iam ficando mais reduzidos.
Eu estava triste. A carpir a mágoa de não ter visto a Catarina. Triste por confirmar que ela me anda a evitar. E, no entanto, ali estava eu a deslumbrar-me com outra mulher. Senti que estava a trair. Sobretudo a Catarina. Não é isto bizarro?
Talvez para compensar a minha frustração, decidi ser mais descarado ao olhar para a minha recente atração. A dada altura, e não podia ser de outra maneira, ela reparou em mim. Primeiro os seus olhos passaram pelos meus distraidamente, como um carro que passa lentamente por nós numa rua, mas, ao ter reparado na atenção que lhe estava a prestar, vi-a perfeitamente a parar e a fazer marcha atrás para se certificar se o que estava a acontecer seria mesmo o que estava a supor. Vi-a franzir as sobrancelhas e a arregalar os olhos revelando uma certa perplexidade. Não sei se a incredulidade dela se prendeu com o facto de estar a ser galanteada, o que duvido, porque com a sua beleza ainda deve haver muitos homens a fazê-lo, se foi pelo meu atrevimento, se foi por me achar um puto ou, pior, um puto atrevido. O certo é que ela travou a fundo e ficou a olhar para mim, com aqueles olhos azuis encantadores, como se me estivesse a atirar com os máximos, sem desviar o olhar. E eu, deslumbrado com aquela visão, como que em êxtase, não tirei os olhos dos seus. Aquele momento, que pareceu durar minutos, só terminou por sua decisão. Foi magnético! Foi eletrizante! Claro que, ao mesmo tempo, com sérias dificuldades, ia mantendo a conversa que estava a ter à mesa. Segundos depois procurei-a novamente e ela já estava à minha espera. Repetimos a dose, só que desta vez fui eu quem desviou o olhar...
Nesta altura a minha mãe estava especialmente conversadora e não consegui voltar a olhar para ela durante algum tempo. Quando tentei novamente já não me procurava. Nem voltou a procurar. Arrependi-me por não me ter mantido firme naquela segunda vez. Por ter dado sinais de fraqueza. Mas acho que o fiz sobretudo para simular certo desdém. Um erro de cálculo que acabou por me sair caro. E que, pior que tudo, deitou por terra toda a magia que tinha acontecido anteriormente. Alvitro outras razões para o seu desinteresse. Todas elas bastante possíveis e válidas, mas tão humilhantes que me vou furtar de as enumerar. Trata-se de uma mulher, sem dúvida, inteligente!
Já em casa fui eu quem fez marcha atrás. Recuei até ao momento do primeiro embate para focar a minha memória naquela emoção, esforçando-me por esquecer o que se passou depois. Ainda suspirei, mas, ciente do desfecho, já não encontrei o mesmo sabor. No domingo tudo voltou ao mesmo. Em todos os lugares já andava a ver se via a Catarina e já pouco me lembrava desta bela senhora.
Quero dizer-te uma coisa.
Uma coisa que nunca disse a ninguém,
por não ser possível ou por não ser verdade.
Quero dizer-te que é contigo que estou
quando abraço a minha almofada.
Que são os teus cabelos que me cobrem
no lugar do meu lençol.
Que são os teus lábios que ficam nos meus
e não as costas da minha mão.
Mas é uma só coisa o que te quero dizer.
O que quero mesmo dizer-te é que te amo!
Ouvi esta música pela primeira vez no sábado passado, no rádio do carro, durante o programa "Hotel Califórnia" do Júlio Isidro e do Paulino Coelho. De imediato me identifiquei com o título e com a melodia da canção. A circunstância não era para menos: estava a regressar a casa tendo-me desviado do caminho mais direto só para passar pela rua onde há dias vi entrar a mãe da Catarina...
Não compreendi logo a totalidade da letra pelo que, assim que saí do carro, procurei a sua tradução. Mais bem informado do significado daquelas palavras, ainda mais identificado me senti, principalmente com os seguintes versos regurgitados pelo seu autor e intérprete, Serge Lamas: "Privaste-me de todas as minhas músicas. Esvaziaste-me de todas as minhas palavras, mas eu tinha talento".
Também eu estou doente. Mas não ponho as culpas exclusivamente no meu amor pela Catarina. Começou muito antes. Talvez na minha adolescência, com uma decepção que me abriu uma grande ferida. Ou então na que vivi em 2011, com a Susana. Nesta altura estive três anos bastante doente. Gradualmente fui recuperando, mas nunca mais voltei a sentir entusiasmo pela vida.
Nem mesmo depois de me apaixonar pela Catarina. Não é com um amor ilícito que se alcança a felicidade... Apesar da esperança, que permanecia dentro de mim, como se o impossível naquele momento se viesse a tornar possível dentro de pouco tempo. Somente com a sua gravidez me deparei com a dura realidade. E também com o facto de ela ter decidido a partir dessa altura nunca mais olhar para mim...
Je suis malade, complètement malade. De que me vale calcorrear os seus caminhos? Procurá-la onde antes a encontrei? De que me vale pensar que ainda não está tudo acabado?
Por coincidência vi-a neste mesmo sábado, ao fim da tarde, depois de uma ausência de seis semanas, sim, que as fui contando. Seis semanas de uma ausência que culminou noutra, ainda mais tenebrosa: A ausência do seu olhar... sei que ela me viu, mas manteve-se determinada na sua decisão. Senti-me inebriado com a sua presença, mas ao mesmo tempo devastado com a ausência da sua alma. Observá-la foi como deslumbrar-me com uma obra de arte ou como se me tivesse aparecido um anjo... A minha alma ria, mas ao mesmo tempo o meu coração chorava. Estou doente...
E a prova disto são as ideias que me surgem quando olho pela janela do meu 5º andar. Mas não se preocupem comigo, que não farei nenhuma loucura. Não tenho coragem para tal. Nem que escolhesse uma forma menos dolorosa. Tenho medo de que a minha alma venha a errar num limbo ainda mais insuportável do que este em que me encontro. Dizem que quem se mata o faz por cobardia, mas não concordo com isso. Fazem-no por desespero. Cobarde sou eu e este é o defeito que mais detesto em mim. A par da moleza e da preguiça.
Eu tinha talento. Mas enterrei-o e cada vez se encontra mais fundo. Dei ouvidos à legião dos que me desvalorizam e cobri-me com as vestes de um falhado. Deixei-me vencer por uma legião da qual talvez só seja real o seu implacável comandante, que sou eu. Deixei que a minha letargia se me colasse à pele como se fosse um traço da minha personalidade, quando mais não é do que um estado de alma. Por estar doente. Completamente doente. E não saber como me curar.
São muitas as mulheres de quem não me esqueço. As mulheres que amo. Umas mais do que outras, mas todas com lugar cativo no meu coração. Umas conheci muito bem, outras menos e até há aquelas com quem apenas me cruzei fugazmente, mas que fazem dar por mim a ver se as vejo sempre que revisito os lugares onde as conheci. A maior parte destas mulheres já foi referida neste blog, mas restam algumas que, apesar de não se justificar escrever um texto sobre elas, por não ser original ou suficientemente interessante para o leitor, tiveram tanta ou mais importância do que as que foram citadas. Todas elas ficaram gravadas no meu coração, que mais parece a plateia de um auditório. Umas ocupam a primeira fila, outras lugares posteriores. Uma está, neste momento, no lugar central, mais iluminada. Há outra ao seu lado, que é impossível não ver, tal como todas as outras, da primeira à última fila. Por vezes trocam de lugar entre si, mas teimam em não sair deste auditório. Independentemente do lugar que ocupam, cada uma delas é capaz de me fazer esquecer momentaneamente todas as outras, como se o foco estivesse apontado exclusivamente para ela. Mas se este se desloca para outra eu quero-a com a mesma ou mais intensidade do que a anterior. Não se trata de ter uma eleita num determinado intervalo de tempo. O problema é serem várias a ocupar o primeiro lugar. Se pudesse hierarquizá-las seria mais fácil. Escolheria a primeira sacrificando as outras por um bem maior. Mas, estando tantas em pé de igualdade, não consigo ser fiel a apenas uma delas. Nem numa ilha deserta o seria, pois, este auditório vai comigo para todo o lado. Gostava de ter uma cama gigante e braços igualmente longos para poder ter comigo todas estas mulheres juntas num só abraço. Gostava de ter mil bocas para beijá-las todas ao mesmo tempo. Assim como gostava de ter mil mãos. Ou talvez duas mil, se não for pedir de mais... Mas, todas estas mulheres têm um fator em comum: nunca vivi com nenhuma delas e gostava de viver. Talvez seja por isso que se mantêm na sala. A única mulher com quem vivi, também esteve nesta plateia, mas já não a vejo por lá há muito tempo. Talvez esteja comigo no palco.
Entrei no hospital de manhã cedo para ser operado ao ouvido. Estava um pouco nervoso pois nestas alturas sou sempre assaltado por um certo medo de morrer. Encaminharam-me para um quarto onde substituiria a minha roupa por uma bata, para logo depois me deitar numa cama de hospital com rodas. Já deitado, fui conduzido através dos corredores até ao bloco operatório. Ia observando as portas de mola a abrir de par em par, as luminárias a desfilarem no teto e os rostos dos auxiliares que empurravam esta minha viatura. Já lá vão cerca de dez anos.
Quando me estacionaram junto ao bloco operatório fui visitado por uma enfermeira muito simpática e não menos bonita. Quis saber se eu estava bem antes de se dar início à cirurgia. Tentava perceber o que me dizia complementando o som do que proferia com os movimentos dos seus lábios, ao mesmo tempo que fixava os seus lindos olhos verdes. Fez-me as maldades que todos os enfermeiros fazem nestas ocasiões, mas souberam-me como carícias. Sentia-me calmo agora e com uma alegria muito grande por estar na sua presença. Estava simpático e confiante, por sentir que ela estava igualmente a saborear aquele momento. Não percebi o que me disse ao desejar-me boa sorte e pedi-lhe que repetisse. Rematei dizendo-lhe, ironicamente, que a audição não era o meu forte ao que simplesmente respondeu com um sorriso genuíno, que se estendia até aos seus olhos, como se me estivesse a dizer que isso iria deixar de acontecer. Afastou-se de seguida e só desejei que a cirurgia terminasse depressa para poder voltar a vê-la.
Isso não veio a acontecer. Nem o seu nome cheguei sequer a saber. E já nem dos traços do seu rosto me recordo muito bem. Mas jamais esquecerei esta linda enfermeira.
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